Artigos | Postado no dia: 30 junho, 2025
Guia completo para elaboração do regimento interno empresarial

O regimento interno empresarial é um documento essencial para a organização e funcionamento de sociedades empresariais, especialmente das sociedades anônimas.
Embora não seja obrigatório em todos os tipos societários, seu papel é determinante para assegurar governança corporativa eficaz, coesa e transparente.
Diferente do contrato social ou do estatuto, que são documentos constitutivos e formalmente registrados perante órgãos públicos, o regimento interno é um instrumento de organização interna, que disciplina o cotidiano das decisões, reuniões, votações e relações entre os agentes da sociedade.
O que é o regimento interno?
O regimento interno é o documento que estabelece, de forma detalhada, as normas e procedimentos que regem a atuação do Conselho de Administração, da diretoria executiva, dos comitês internos e da própria assembleia de acionistas.
Ele define como se dão as reuniões, votações, deliberações, substituições, fiscalizações e outras atividades essenciais à vida corporativa.
Além disso, o regimento regula temas como:
- Quóruns de instalação e deliberação;
- Direitos e deveres dos conselheiros;
- Procedimentos de eleição e substituição de diretores;
- Instalação e funcionamento de comitês;
- Políticas de prevenção e tratamento de conflitos de interesse;
- Regras para condução das assembleias gerais;
- Formalidades para convocação e pauta de reuniões.
É importante que o regimento interno esteja em total conformidade com o contrato social ou estatuto, bem como com a legislação aplicável.
Papel do regimento interno na governança corporativa
A governança corporativa pode ser entendida como o sistema pelo qual as empresas são dirigidas, monitoradas e incentivadas.
Envolve a definição de direitos e responsabilidades entre os diferentes participantes na empresa — como sócios, conselheiros, diretores e demais stakeholders — e estabelece regras e procedimentos para a tomada de decisões corporativas.
Nesse contexto, o regimento interno se mostra como uma ferramenta operativa da governança, com os seguintes objetivos:
- Transparência: ao prever regras claras sobre o funcionamento da administração e da assembleia, reduz o risco de arbitrariedades e aumenta a confiança de investidores e sócios.
- Equidade: contribui para assegurar que todos os acionistas e partes interessadas tenham acesso igualitário às informações e ao processo decisório.
- Responsabilidade corporativa: ao delimitar os deveres fiduciários dos administradores e disciplinar suas ações, reforça o compromisso com boas práticas e a preservação do valor da companhia.
- Prestação de contas (accountability): institui mecanismos de fiscalização e controle, com previsão de comitês, relatórios e responsabilidades, o que facilita o monitoramento dos atos da alta administração.
- Redução de conflitos internos: previne disputas ao estabelecer procedimentos objetivos e documentados para o tratamento de divergências, incluindo potenciais conflitos de interesse.
- Estabilidade institucional: assegura a continuidade e a previsibilidade da administração corporativa, mesmo diante de mudanças na composição societária ou da diretoria.
O que consta no regimento interno?
O conteúdo do regimento interno pode variar conforme o porte da empresa, a jurisdição e as peculiaridades do setor. No entanto, em geral, contempla as seguintes seções principais:
1. Disposições iniciais
- Identificação da empresa;
- Sede e foro;
- Objetivos do regimento e sua hierarquia em relação a outros documentos (estatuto ou contrato social).
2. Estrutura de governança
- Composição do Conselho de Administração: número de conselheiros, regras de eleição, mandatos, atribuições e remuneração.
- Diretoria executiva: cargos (CEO, CFO, COO, entre outros), critérios de nomeação, competências e deveres.
- Comitês internos: como são formados, quais são suas funções (ex: auditoria, compliance, riscos), e sua articulação com os demais órgãos.
3. Funcionamento dos órgãos
- Convocação e realização de reuniões ordinárias e extraordinárias;
- Quórum de instalação e deliberação;
- Registro em atas;
- Formas válidas de votação (presencial, eletrônica, por procuração).
4. Regras de governança e integridade
- Código de conduta aplicável aos administradores;
- Normas de confidencialidade;
- Política de tratamento de informações privilegiadas;
- Procedimentos para declaração e mitigação de conflitos de interesse;
- Regras para aprovação de operações com partes relacionadas.
5. Assembleia de acionistas
- Regras de convocação;
- Participação e voto dos acionistas;
- Prazos, instrumentos de voto (presencial, remoto, procuração);
- Competências exclusivas da assembleia.
6. Disposições sobre ações
- Tipos de ações e seus direitos;
- Condições de emissão, transferência e recompra;
- Regras de tag along, drag along, vesting e outras cláusulas específicas.
7. Alterações e revisões
- Quem pode propor alterações no regimento;
- Quais são os procedimentos formais para sua modificação;
- Condições para entrada em vigor de uma nova versão.
Dicas empresariais para elaborar um regimento interno eficaz
Elaborar um regimento interno claro, eficiente e funcional exige atenção a aspectos jurídicos, administrativos e de boas práticas de governança corporativa. Veja algumas recomendações:
1. Alinhe com o estatuto ou contrato social
Antes de tudo, é fundamental garantir que o regimento interno seja totalmente compatível com o estatuto social (ou contrato, no caso de sociedades limitadas).
O regimento não pode contrariar o que está previsto no documento societário formal — ele deve complementar e operacionalizar suas disposições.
Dica: Sempre revise o estatuto social antes de iniciar a elaboração do regimento.
2. Incorpore os princípios da governança corporativa
Inclua no regimento regras que reflitam os quatro pilares da boa governança: transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa. Isso fortalece a legitimidade das decisões e protege os administradores contra alegações de má gestão.
Dica: Use o regimento para formalizar políticas de integridade, prevenção de conflitos de interesse e regras para partes relacionadas.
3. Defina claramente a estrutura decisória
Evite ambiguidades. Especifique, de forma objetiva, as competências de cada órgão (diretoria, conselho, comitês, assembleia), os quóruns necessários, as hipóteses de impedimento e os mecanismos de substituição. Uma estrutura bem definida evita disputas e acelera decisões estratégicas.
Dica: Inclua fluxogramas de aprovação para decisões relevantes (ex: captação de recursos, celebração de contratos acima de certo valor).
4. Estabeleça regras claras para convocação e reuniões
A governança depende de reuniões produtivas e bem organizadas. Determine prazos mínimos de convocação, forma de envio (e-mail, sistema interno, edital), frequência obrigatória das reuniões e procedimentos para inclusão de pauta.
Dica: Preveja a possibilidade de reuniões híbridas ou 100% digitais, com validade jurídica, conforme a Lei 14.030/2020 (para S.A.s).
5. Formalize os critérios de avaliação e responsabilização
É recomendável que o regimento contenha disposições sobre como será feita a avaliação de desempenho dos administradores, bem como os parâmetros de responsabilização em caso de descumprimento de deveres fiduciários.
Dica: Utilize indicadores objetivos e periódicos de desempenho da administração (KPIs vinculados ao plano estratégico).
6. Inclua mecanismos de atualização periódica
As melhores práticas de governança evoluem com o tempo. O regimento deve prever como e quando será revisado, quem poderá propor alterações, qual será o quórum de aprovação e se será necessária ratificação por assembleia.
Dica: Institua uma revisão anual ou bienal do regimento, com checklist de conformidade regulatória e aderência a princípios ESG.
7. Conte com assessoria jurídica especializada
Por fim, a elaboração do regimento deve ser conduzida com o apoio de uma assessoria jurídica especializada em direito societário e governança corporativa. Isso assegura que o documento esteja em conformidade com a legislação vigente e evite cláusulas ineficazes ou passíveis de questionamento.
Dica: Envolva também o Conselho de Administração e representantes dos sócios relevantes na discussão inicial — isso reforça o engajamento e a legitimidade do documento.
Conclusão
O regimento interno é muito mais que um conjunto de regras administrativas: ele é um instrumento essencial de governança corporativa, responsável por conferir segurança jurídica, clareza organizacional e previsibilidade às decisões empresariais.
Em tempos de crescente exigência por transparência, conformidade e responsabilidade institucional, investir em um regimento interno bem elaborado — alinhado às melhores práticas de governança — é um diferencial competitivo e uma salvaguarda contra riscos operacionais e jurídicos.
Em caso de dúvidas, entre em contato com um advogado tecnicamente habilitado para uma orientação adequada e de acordo com o seu caso.